domingo, 18 de novembro de 2012



Tenho da vida alguns pedaços engasgados
Alguns dias partidos
Divididos
Em feixes de ternura
E poeira.
Tenho uns dias sentidos
Quase nada
Uma janela seca
Empoeirada
Cheia de chuva
Do lado de fora.
Tenho às vezes memória
Às vezes vontade
Às vezes penso em cantar mas depois esqueço
Às vezes
Você me reparte

autor desconhecido

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ou se tem sol ou não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro doce,
ou compro doce e não guardo dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Cecília Meireles

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Horas Rubras




Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...

Oiço olaias em flor às gargalhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata pelas estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve e branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

“E foi nesse segundo que Tadzio sorriu, que lhe lançou um sorriso eloqüente, intimo. Encantador, aberto, que só lentamente lhe descerrava os lábios. Era o sorrir de Narciso debruçado sobre o espelho da água, aquele sorriso profundo, enfeitiçado, enlevado, com o qual estende os braços à margem da própria beleza. Um sorriso um tanto forçado, desfigurado pela inutilidade do desejo de beijar os lindos lábios da sua sombra, sorriso coquete, curioso, levemente inquieto; sorriso seduzido e sedutor.”
Vou pedir a titia que vista uma roupa de fada e me transforme num peixe. Deve ser boa a vida de peixe de aquário, murmurei.
- Deve ser fácil. Aí eles ficam dia e noite, sem se preocupar com nada, há sempre alguém para lhes dar de comer, trocar a água... Uma vida fácil, sem dúvida.
Mas não boa. Não se esqueça de que eles vivem dentro de um palmo de água quando há um mar lá adiante.
- No mar seriam devorados por um peixe maior mãezinha.
- Mas pelo menos lutariam. E nesse aquário não há luta, filha.
Nesse aquário não há vida.”

Lígia Fagundes Telles, Verão no Aquário, cap IX, pág 131.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Quando Fecho os Olhos

E aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

Chico César

terça-feira, 10 de julho de 2012

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa se demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

(António Ramos Rosa)

sábado, 23 de junho de 2012

suíte vetusta para precipitação de águas.

vou vestido de chuva
pelas ruas
andarilho dos líquidos
que sou
nada me transborda,
mas vazo
neste precipício
de chagas
que me escorre
de arquétipos
nem tão opostos.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012




Um café e um amor, quentes por favor!
Pra ter calma nos dias frios.
Pra dar colo quando as coisas estiverem por um fio.

Caio F.

terça-feira, 22 de maio de 2012

a tua presença.

A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca verde, vermelha azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra
caetano e gil

Objeto de Amar


De tal ordem é e tão precioso 
o que devo dizer-lhes 
que não posso guardá-lo 
sem que me oprima a sensação de um roubo: 
cu é lindo! 

Fazei o que puderdes com esta dádiva. 
Quanto a mim dou graças 
pelo que agora sei 
e, mais que perdôo, eu amo.


adélia prado

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Se cada dia cai

Foto by Leticia M.
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
Pablo Neruda
Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.

manoel de barros

sábado, 12 de maio de 2012

Quem procura não acha.
É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. 
Não há nada a ser esperado.
Nem desesperado.


 Caio f.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tomo um café e um guaraná pra me animar
Mas ficou tão tarde
Que é melhor deixar pra lá...


terça-feira, 8 de maio de 2012

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
 
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

[...]

álvaro de campos
É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração
.

machado.

sábado, 5 de maio de 2012

Enigma-28-04 / Foto by Leticia M.
Vontade de não dar sentido algum às coisas,
 as palavras e à própria vida. 
Assim como é a vida na realidade ausente de sentido. 

Hilda Hilst

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Vem, nós dois vamos tentar...
Só um novo amor pode a saudade apagar.
tom jobim
Ela é minha ilha da Fantasia
A mais avançada das terapias
Meu Playcenter...


sexta-feira, 27 de abril de 2012

metáfora sem o menor refinamento


[...]

Eu deixo você voltar quantas vezes quiser ao que houver em mim que lhe deixe feliz, que tenha feito você rir. Deixo você me decorar. Espero paciente, imóvel, até você me guardar em sua memória.
E me souber completamente.
E me continuar de próprio punho.

[...]

Claudia Camara

quinta-feira, 26 de abril de 2012


Domingo é sempre assim. Ilha do Fogo - Juazeiro-BA
Foto by Leticia M.
a minha alegria é o aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem
e limpar depois a boca
à manga do espanto.

Tu puxas-me e somos duas crianças
num trilho de mata
num banco de pedra,
num portão verde dividindo
o aqui e o ali.
Porque nós estamos aqui.


Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.


Estamos aqui - Vasco Gato

domingo, 15 de abril de 2012

O anteontem - não do tempo mas de mim -
Sorri sem jeito
E fica nos arredores do que vai acontecer
Como menino que pela primeira vez põe calça comprida.

Não se trata de ilusão, queixa ou lamento,
Trata-se de substituir o lado pelo centro.
O que é da pedra também pode ser do ar.
O que é da caveira pertence ao corpo;
Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.



Murilo Mendes

quinta-feira, 22 de março de 2012

À Noite Dissolve os Homens

[...]

A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das
luzes que vais ascender e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão como um sinal verde e
peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

drummond.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

traduzir-se

uma parte de mim
é todo mundo.
outra parte é ninguém
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte delira.

uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte se espanta.

uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

traduzir uma parte
na outra parte
que é uma questão
de vida ou morte
será arte?

ferreira gullar

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Foto by Leticia M.
De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse ao seu lado.
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse ao seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento da vida
Que move suas pernas e braços.
Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depôs na
praça, quieto.

Manoel de Barros

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A cima da verdade

Acima da verdade estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como às flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza.

Ricardo Reis - Odes De Ricardo Reis

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

I

[...]

O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…

[...]

Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma…

Fernando Pessoa - Chuva Oblíqua

O amor é uma companhia.

Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visivel faz-me andar mais depressa
E ve menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a nao vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas,
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no méio.

Alberto Caeiro - O Pastor Amoroso
IV

Que pandeiretas o silêncio deste quarto!…
As paredes estão na Andaluzia…
Há danças sensuais no brilho fixo da luz…
De repente todo o espaço pára….
Pára, escorrega, desembrulha-se…,
E num canto do tecto, muito mais longe do que ele está,
Abrem mãos brancas janelas secretas
E há ramos de violetas caindo
De haver uma noite de Primavera lá fora
Sobre o eu estar de olhos fechados…

fernando Pessoa - chuva oblíqua

sábado, 7 de janeiro de 2012

Foto by Leticia M.

O corpo do rio prateia
quando a lua
se abre

Manoel de Barros, Livro de Bernardo
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém!

clarice lispector

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Recomeça

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

De repente,
num instante fugaz,
os fogos de artifício anunciam que
o ano novo está presente e o ano velho ficou para trás.
De repente, num instante fugaz,
as taças de champagne se cruzam e o vinho francês borbulhante anuncia que o ano velho se foi e ano novo chegou.

De repente, os olhos se cruzam,
as mãos se entrelaçam e os seres humanos,
num abraço caloroso,
num só pensamento,
exprimem um só desejo e uma só aspiração: PAZ E AMOR.

De repente,
não importa a nação,
não importa a língua,
não importa a cor,
não importa a origem,
porque todos são humanos e descendentes de um só Pai,
os homens lembram-se apenas de um só verbo: AMAR.

De repente,
sem mágoa,
sem rancor,
sem ódio,
os homens cantam uma só canção,
um só hino,
o hino da liberdade.

De repente,
os homens esquecem o passado,
lembram-se do futuro venturoso,
de como é bom viver. .

Feliz Ano Novo !!!
.

Em dois mil e doze tudo vai ser diferente... Tenh0 fé!

.
S’as que desisti do amor? Que alívio. E um processo que vem se arrastando há uns quatro anos, desde o que chamo de The Big Disaster, agora parece que con-so-li-dou-se. Será que é da idade? (…)Tô bem assim, bem indiferente. O coração, um cactus. Não me importo mais.

Caio F. Abreu in “Cartas”