quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Acordei cinzenta como o dia num mesclado de vazios e saudade.
Liguei o piloto automático algures dentro de mim e por momentos, fiquei, fui e fiz nenhures.
Já me conheço o suficiente para saber o que significa acordar assim incolor, sem sabor e sem sentido… Por achar que não devo nada à telha, permiti-me a um rasgo de lucidez e resolvi ir caminhar.
Abençoado momento.
Pudessem as palavras traduzir fidedignamente o quanto nos dá o Amanhecer…
Pudesse o orvalho traduzir-se na mais bela Melodia,
Os aromas da manhã em Poesia
E a quietude na Tua companhia…
Porque o verde dos caminhos invade sem invadir
O Outono continua a dormir
As flores teimam em colorir
E a Natureza dá-se por inteiro a descobrir…
E hoje, no dia primeiro do último mês,
Descobri no meio do tanto verde imposto, uma Papoila!
Não sabia que havia Papoilas em Dezembro! -
Mas ei-la tão frágil quanto firme, tão singela quanto bela
Num vermelho escarlate que me invadiu de esperança, Amor
E de mil sorrisos em esplendor...
Depois, escapou-se-me uma lágrima, e outras mais, de contemplação,
E encheu-se novamente de cor o meu coração.
Incrível o alento que uma simples Papoila pode dar!

autor desconhecido.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS

Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios."
manoel de barros
Tenho que primeiro enlouquecer-me, se não, não sobrevivo. É preciso que eu escolha, de mim, essas partes dançantes que não precisas, mas que suponho necessárias — e com elas fazer meu todo. Porque sou feito de flores e estrelas, de ternuras e urgências. Sei que sou livre, mas feito de amores e dúvidas também. O que não sei se não sei de forma alguma é se o que agora sou é mais o que já fui, ou, talvez, ainda mais, o que serei.
edson marques

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Toma-me.
A tua boca de linho sobre a minha boca Austera.
Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo. Da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu delinqüescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa
De púrpura. De prata. De delicadeza.

hilda hilst

dez chamamentos ao amigo.

VIII

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura
Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem
Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

hilda hilst

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Coisas Do Coração

Quando o navio finalmente alcançar a terra
E o mastro da nossa bandeira se enterrar no chão
Eu vou poder pegar em sua mão
Falar de coisas que eu não disse ainda não

Coisas do coração!
Coisas do coração!

Quando a gente se tornar rima perfeita
E assim virarmos de repente uma palavra só
Igual a um nó que nunca se desfaz
Famintos um do outro como canibais

Paixão e nada mais!
Paixão e nada mais!

Somos a resposta exata do que a gente perguntou
Entregues num abraço que sufoca o próprio amor
Cada um de nós é o resultado da união
De duas mãos coladas numa mesma oração!

Coisas do coração!
Coisas do coração!

raul seixas
Que é de ti, melancolia?...
Onde estais, cuidados meus?...
Sabei que a minha alegria
É toda vinda de Deus...
Deitei-me triste e sombria,
E amanheci como estou...
Tão contente!
Todavia
Minha vida não mudou.
Acaso enquanto dormia
Esquecida de meus ais,
Um sonho bom me envolvia?
Se foi, não me lembro mais...
Mas se foi sonho, devia
Ser bom demais para mim...
Senão, não me sentiria
Tão maravilhada assim.
Ó minha linda alegria,
Trégua dos cuidados meus,
Por que não vens todo dia,
Se é toda vinda de Deus?

Manuel Bandeira

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Então me vens e me chegas e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és..."

caio

sábado, 24 de setembro de 2011

.

Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.

Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.

Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas.
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.

Porque assim é preciso
Para que tu vivas.

hilda hilst

domingo, 11 de setembro de 2011

.

LVII

Mentem os que disseram que perdi a lua,
os que profetizaram meu povir de areia,
asseveraram tantas coisas com línguas frias:
quiseram proibir a flor do universo.

"Nunca mais cantará o âmbar rebelde
da sereia, não tem senão o povo."
E mastigavam seus incessantes papéis
patrocinando para minha guitarra o esquecimento.

Eu lhes lancei aos olhos as lanças deslumbrantes
do nosso amor cravando teu coração a o meu,
reclamei o jasmim que as tuas pegadas deixavam,

perdi-me de noite, sem luz, sob as tuas pálpebras
e, quando a claridade me envolveu,
nasci de novo, dono das minhas próprias trevas.

pablo neruda

sábado, 3 de setembro de 2011

Rasteja e espreita
Levita e deleita.
É negro. Com luz de ouro.

É branco e escuro.
Tem muito foice
E furo.

Se tu és vidro
É punho. Estilhaça.
É murro

Se tu és água
É tocha. É máquina
Poderosa se tu és rocha.

Um olfato que aspira.
Teu rastro. Um construtor
De finitudes gastas.

É Deus.
Um sedutor nato.

Hilda Hilst

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

quando setembro chegar.

Quando setembro chegar…

Quando setembro chegar o inverno terá acabado e o amanhecer virá me acordar,
apressado.
Não mais haverá folhas secas caídas ao chão, pois as cores, antes tímidas,
voltarão em puro êxtase, bailando num festival deliciosamente provocante.

Quando setembro chegar o sol estará pleno, iluminando os mares do meu mundo.
Uma brisa suave teimará em bater de leve em meu rosto, desajeitando meus cabelos
úmidos e pesados. Um aroma antigo se fará presente, trazendo consigo a quietude
do meu ser.

Quando setembro chegar serei embalada por uma música e por alguns instantes
deixarei de respirar. Em órbita, minha razão terá sido arrancada de mim por algo
que não pretendo explicar.
Teremos tempestade. Ventania.
Um doce fechar de olhos.
Um meio sorriso preso nos lábios.

Quando setembro chegar correrei ao encontro dos sentidos. Ao abrir uma janela
descobriria um novo cheiro, ao escancarar uma porta um novo gosto. Na intimidade
de um toque, desvendaria um olhar.
Uma onda de felicidade atingirá todo meu corpo. Alegria em forma de espuma nos
pés, contentamento em forma de grãos de areia nas mãos. Não haverá nuvens no meu
céu.

Quando setembro chegar eu serei todas as estações do ano…

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! De um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! Postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...


E um dia assim! De um sol assim! E assim a esfera
Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento
Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...


E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!
Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar-me de ti, cada vez mais a morte...
Eu com o frio a crescer no coração, — tão cheio
De ti, até no horror do verdadeiro anseio!
Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!
E eu morrendo! E eu morrendo,
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! A delícia da vida!



Olavo Bilac

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos

terça-feira, 12 de julho de 2011

E você, por que desvia o olhar?
(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

Ah. Porque eu sou tímida."
Rita Apoena
"A vida tem caminhos estranhos, tortuosos às vezes difíceis: um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante. As vezes que tentei morrer foi por não poder suportar a maravilha de estar vivo e de ter escolhido ser eu mesmo e fazer aquilio que eu gosto - mesmo que muitos não compreendam ou não aceitem."

caio f. de abreu

quinta-feira, 7 de julho de 2011

"[...] Tenho a sensação de ser convidado do nada. Vou, deixando me a mim mesma em casa"

(Lêdo Ivo)
Eu sorriria. Mas não havia ninguém. [...]
Eu podia rolar no chão, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer,
chorar, soluçar, perder a fala, não havia ninguém para me ver.
Ninguém para me ouvir. Não havia ninguém. Eu podia até morrer.

(Ninguém - Luiz Vilela)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A Passagem.

Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.

lêdo ivo.

Minha sereia.
Maceió, minha sereia...

Maceió-AL

quinta-feira, 2 de junho de 2011

"Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres.
Se elas voltarem é porque as conquistei.
Se não voltarem é porque nunca as possuí."

John Lenon
Assovia o vento dentro de mim.
Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara."

Eduardo Galeano

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde és Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa,completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.

Cecília Meireles

confissão.

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

Mário Quintana

segunda-feira, 23 de maio de 2011

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma


Paulo Leminsk

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Não existe nada de mais esterilizante
do que a perfeição de não se querer nada
além do que está à nossa volta '

Caio F.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

something.

http://www.youtube.com/watch?v=a_XG_YlTPPQ

Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me

I don't want to leave her now
You know I believe and how

Somewhere in her smile she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
...

The Beatles

terça-feira, 8 de março de 2011

Deixe-se Acreditar

Eu quero um samba pra me aquecer
Quero algo pra beber, quero você
Peça tudo que quiser
Quantos sambas agüentar dançar
Mas não esqueça do seu trato
Da hora de parar
Só vamos embora quando tudo terminar
Eu vou te levar aonde você quer chegar
Eu tenho a chave nada impede a vida acontecer
Deixe-se acreditar
Nada vai te acontecer
Tudo pode ser
Nada vai acontecer, não tema
Esse é o reino da alegria


monbojó.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso.

Paulo Leminski

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Lamento das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que não se realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidando
Da natureza que parou, chorando,
No rudementarismo do Desejo!

Augusto dos Anjos

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Os Três Mal-Amados

...

O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!
(Mário Quintana)